Certa vez, eu falei num tom de brincadeira para minha namorada: "os gênios são preguiçosos por natureza". Desde então, acredito que, através dela, o mito tenha se concretizado e servido na cabeça (e na consciência) de muitos, por ser feito de um tecido muito flexível e confortável. Isso se comprovou quando ouvi um amigo meu dizendo de si mesmo: "eu sou tipo um gênio preguiçoso, sabe?". Outro concordou, e também viu certa identificação com o mito.
Mas eu pergunto a vocês, possíveis leitores, se vocês também não se identificam com o mito do "gênio preguiçoso" e, se não enjoarem da leitura, darei uma breve descrição sobre ele:
"O gênio preguiçoso acredita e se comprova como uma pessoa que enxerga o que outras pessoas, comuns, não seriam capaz de enxergar. O gênio preguiçoso é também uma pessoa largada, que possui seus próprios horários, que não dá bola para rotinas e nem para esforços 'fora de sua hora'. Gosta de fazer tudo ao seu modo, é um solitário, costuma ser teimoso para com suas idéias e um tanto intolerante. O gênio preguiçoso também acha que é dispensável o estudo para a manutenção do seu conhecimento. Sua inteligência é algo que 'vem de dentro', freqüentemente dispensando o trabalho intelectual ou o esforço considerado 'desnecessário'. O gênio preguiçoso confirmou para si que possui talentos raros, algum tipo de talento raro que o coloca à frente dos demais. Ele se sente uma pessoa muito diferente e incomum das demais..."
Eu acho tudo isso uma grande bobagem, francamente. Mais do que uma grande besteira, acho uma total falta de humildade e um excesso alarmante de orgulho.
Esse mito do Gênio Preguiçoso é um... é como um escudo, atrás do qual a pessoa se esconde. Enquanto estiver atrás desse escudo, todos os seus fracassos, fracassos NORMAIS atribuído a pessoas NORMAIS, terão como justificativa uma "preguiça" que, em outras palavras, significa que a pessoa simplesmente não quis não fracassar. O "gênio" se convence de que o fracasso só aconteceu porque ele quis, porque ele permitiu, porque "se eu tivesse me esforçado ou se eu realmente quisesse, não teria fracassado". O gênio preguiçoso, essa máscara patética, também deseja mostrar que não precisa progredir ou mudar a si mesmo, pois sente-se perfeito, pois pensa ser completo e estar patamares acima dos demais.
Ironicamente, cada sucesso do gênio preguiçoso é muito comemorado, e toda a vez que o sucesso aparece serve como reforço substancial para confirmar o que é apenas um "mito". O mais engraçado é que, no fundo, o gênio sabe que não passa de uma pessoa normal, que fracassa normalmente como outra qualquer e que não possui nenhum talento ou compreensão elevada sobre as coisas. Na verdade, o que essas pessoas perceberam foi que as coisas são mais FÁCEIS do que APARENTAM. Isso, sem dúvida, é a única vantagem que eles têm sobre os demais: não significa que para eles as coisas são mais fáceis, mas sabem que as coisas são fáceis por si só.
No final, esse mito é um escudo ou um refúgio para aquelas pessoas que exigem demais de si mesmas, pessoas que, muito provavelmente, foram duramente cobradas pela vida ou sobre as quais expectativas foram excessivamente depositadas. Essas pessoas ostentam um orgulho muito grande, orgulho que as impede de sustentarem seus próprios erros perante os demais, e perante a si mesmas. Tudo o que a elas faltam é um pouco menos de "auto-crítica".
O que quero concluir com este post é que o mito do "gênio preguiçoso" é apenas uma brincadeira. Não conheço gênio algum nesta vida que tenha sucesso sem uma medida de esforço. Conheço duas pessoas realmente acima da média, e o engraçado é que essas pessoas estudam e se esforçam pra caralho para manterem os resultados que conseguem: nada é construído na vagabundagem, por elas.
Também acho que, em parte, essa coisa de "gênio preguiçoso" é uma moda em nossa época: pessoas individualistas, que se pensam donas de muita atitude, temperamento difícil, problemáticas, mais inteligente que a média, reclusas, "difíceis" de se lidar, imorais... Isso tudo é uma grande besteira. A própria idéia de individualidade, de personalidade forte, morreu no momento em que, de uma maneira direta ou indireta, tu foi levado a pensar que para se constituir em tu mesmo precisa ser diferente dos demais (ou seja, para ser tu mesmo precisa não ser os outros, o que é uma atitude totalmente reativa).
Tenho acompanhado a formação de uma crítica-leitura da Temporada no Inferno, do Rimbaud, e que trata justamente do sentimento do Orgulho e de toda essa idéia de "genialidade" (coisa muito romântica) e da "vidência". Em algum momento, postarei aqui alguns trechos. É do Nykolas Friedrich, meu primo.
É isso.