sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Regresso

Do ano passado ao início deste, por dez meses mais ou menos, empreendi uma estranha viagem à morte e de volta à vida.
É, receio, uma maneira demasiado dramática de se colocar a situação, mas houve um percurso acidentado e tortuoso até reequilibrar-me após a morte de meu pai, o que só posso afirmar ter acontecido mais de um ano depois. Mas este estado de coisas não se instaurou antes de se haver passado um mês, precisamente, daquela noite de fins de maio.
Minha reação, pela maior parte deste primeiro mês, foi das mais desconcertantes — mesmo para mim, pensando hoje. Foi uma completa placidez. Na verdade, mesmo então surpreendia-me por estar aceitando tão bem a perda.
Isto durou até a manhã do dia 28 de junho do ano passado. Durante a madrugada, tive um sonho: estávamos todos na casa da praia — todos: meu pai estava sentado na minha frente, nunca havia partido. Era como se tudo fosse um mero engano. Eu o abraçava, chorando. E então acordei, à força do despertador, lembrando-me vividamente do sonho, e pensei
Hoje é dia 28. Faz um mês.
Com estas duas frases, entrei em depressão. (Não tenho certeza de poder enquadrar minha condição neste termo; trata-se apenas da qualificação mais próxima que posso recordar.) Passou-se quase um ano em que não sabia muito bem o que fazer; se estava onde queria estar; se estava estudando o que realmente desejava; se havia feito, afinal de contas, alguma escolha correta. A repetição quase contínua destas perguntas em minha mente, que em certo ponto chegou a um nível brutal e raramente resultava em respostas positivas, além do longo tempo que me levou para enfim escrever isto, me impedem de fazer um relato mais detalhado. Lembro-me apenas de nunca ter chorado. Parece que perdi a capacidade de fazê-lo, embora fosse muito hábil nisto quando mais novo. Não vejo nisto, porém, qualquer sinal de força; penso, com efeito, que isto agravou a condição, como se perdesse a chance de voltar ao normal por uma salutar catarse.
Também não sei explicar — e isto é o que mais me intriga — por que, em algum dia do mês de março de dois mil e nove, saí deste quadro tão bruscamente como entrei e cheguei mais perto de uma aceitação: de algo que possa me atrever a chamar de serenidade. Fico, então, a imaginar se, nesta ignorância do motivo desta recuperação, não se esconde o perigo de voltar a estar como antes. Encontro-me otimista em relação à resposta; no pior dos casos, estarei um pouco mais preparado na próxima vez.

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