sábado, 17 de maio de 2008

Excerto

Infelizmente, o Kinch está num estado semi-comatoso, então não é desta vez que verão novo texto dele. Para preencher essa lastimável lacuna, trago um trecho de um texto que posso chamar de minha única obra completa, um misto de diário e ficção cujo atual título é... "Ceci n'est pas un titre". (Oi, Magritte.) ...Nah, na verdade é apenas o nome do arquivo do Word.


(4/1/2008)

Exibiram, há pouco, num programa evangélico da TV Universal do Reino de Deus, uma reportagem cuja chamada consistia da seguinte pergunta: o que faz os jovens buscarem o sexo desenfreado – o livre acesso a ele ou a desestruturação familiar? Jovens. Adolescentes. Toda vez que uma dessas duas palavras aparece na televisão, aposte all in: lá vem merda. Quando ouço a palavra adolescente, eu destravo a minha Browning. Mas seria estúpido atirar no televisor, então passei uns minutos vendo a reportagem e queimando fosfato. Os repórteres começaram por entrevistar uns indivíduos em alguma festa de fim-de-ano, creio que em São Paulo: indagavam-lhes o que eles faziam ali e recebiam, invariavelmente, como resposta, Namorar, Conhecer gente bonita, und so weiter. (Eu ia me limitar a dizer que as respostas envolviam o gênero oposto, mas acho que, em um momento em que prestei pouca atenção, uma rapariga disse, Gatinhas.) As respostas eram intercaladas com imagens de casais de jovens (controla essa comichão no indicador, Dirty Harry, foi você mesmo que usou a palavra desta vez) se beijando, und so weiter, und so weiter. Estou certo de que fazer essa reportagem demandou uma insensibilidade e um enviesamento de fazer parecerem modestos os atributos dos adolescentes (ah, não te provoca...) mais estúpidos. In(?)felizmente, não vi o fim da matéria, mas não acho arriscado supor que a resposta ao problema da Geração Desejo, como os Repórteres Universais do Reino de Deus apelidaram os (não escreve a palavra, a não ser que esteja pronto para aposentar a Browning e partir para uma Automag) desta época, tem o tom de moraldahistória veementemente religiosa pelo qual os evangélicos têm predileção; se essa conclusão não viesse dos repórteres, seria inevitavelmente, proferida pelo pastor que apresenta o programa. O primeira ato de estupidez está em alardear que a religião é fundamental para evitar o livre acesso ao sexo pelos (ugh!) e, especialmente, para manter a unidade familiar – o que na verdade implica o controle do acesso ao sexo, já que este é (tem de ser) exercido pelos pais dos (ai!). (Exceto, claro, se Josef Djugashvili voltasse do mundo dos mortos no Musikverein enquanto Boulez rege a segunda de Mahler.) Não preciso olhar para quaisquer outras bandas para achar um exemplo que fale em contrário deste argumento. Meus pais não são particularmente religiosos (não são sequer da mesma igreja, mas Falls Road não passa aqui por casa), e eu sou ateu. Mesmo sem a influência determinante de qualquer religião, a família não se encontra desagregada. E não estou metendo qualquer membro em qualquer lugar. Poder-se-ia replicar que o argumento não se aplica a todos os (aaai, meudeusinexistente!), mas essa sutileza faltou à equipe do programa: todos os entrevistados que apareceram responderam no mesmo tom; se alguém que respondeu que estava lá por simples diversão, mesmo que em insignificante minoria, foi deixado de fora pela edição; o texto da chamada dizia, Os (ah, minha pressão!). Artigo definido: generalização. Ademais, o termo desestruturação familiar guarda uma característica interessante: mesmo quando usado em abundância (em demasia), seu sentido exato é raramente definido. No entanto, pode-se entender que, da maneira como a expressão é usada, implique o divórcio dos pais e a conseqüente perda de sua autoridade frente aos filhos. Um religioso que se opõe ao divórcio – parece novidade. Mas aí reside o Ato Adicional de estupidez: outra generalização grosseira, a de que o divórcio é, invariável e inevitavelmente, um vórtice que leva os membros da família ao desequilíbrio emocional e, finalmente, social. O responsável por isso é o mau manejo da situação, naqueles casos que são menos separação do que rixa entre os nãomaiscônjuges; se me estendi em criticar os (nitroglicerina!), não disse em momento algum que os adultos são sempre razoáveis – muitos, lamentavelmente, nunca deixam de ser (...há um médico na casa?). Por fim, achei interessante a expressão sexo desenfreado. A mim, soou bastante, como dizer, católica. E, se alguém desejar me lembrar (como se eu o ignorasse) do direito à livre expressão que mesmo os imbecis têm: para mim, esse direito toma uma forma mais sagrada (sic), da qual não hei de abrir mão, que é o direito de chamar de idiotas os idiotas e de mandá-los enfiar sua idiotice no rabo. (Mas isto não os tornaria, além de idiotas, imodestos? Jacopo...?)

Um comentário:

Eduardo disse...

Eu já li esse texto em algum lugar. :)
Ele é mó antigo, cara.