Segundo ato da peça aindaincompleta, de co-autoria do Kinch e minha. Enquanto o primeiro ato apresenta diversos personagens ao público, o segundo é centrado em dois personagens, o abade Müller e Garcin, envolvidos numa briga que nos arrancou muitas gargalhadas enquanto escrevíamos. Como se fôssemos o James Joyce. Rá!
O ato se passa dentro da igreja local; Garcin e o abade discutem depois da missa celebrada pelo último (e avacalhada sotto voce pelo primeiro).
[...]
(Irrompe um rosnado.)
O estomagodoabade: Traze-me algo!
(O abade apanha uma tigeladeprata. Enfia nela a mão esquerda e colhe um formidável bocado de hóstias, as quais enfia na bocarra e mastiga de forma animalesca. Engole a pasta mastigada. Arranca a garrafa das mãos de Garcin e bebe um cálice deumgolesó.)
O abade (arrotando): Vês como tenho uma excelente digestão. Devias preocupar-te com a tua, pois tua lascívia vai trazer-te em breve um cornudo qualquer com uma faca para abrir-te a barriga!
Garcin (ouve-se um peido): Ouviste? É o sistema digestivo reivindicando, reclamando a própria vivência e bem-estar! (Desata em gargalhada.)
O abade (come outro bocado, bebe mais um gole): Ninguém se preocupa com o bem-estar dos ratos.
Garcin (sarcasticamente terno): Podes alcançar-me um pouco desse corpo de Cristo, meu anjo?
O abade: Foste um rato puro. Comunga com a Igreja. (Deposita a tigela no soalho e, com o pé esquerdo, empurra-a na direção de Garcin, que a apanha, devora as hóstias restantes e atira-a para longe.)
[...]
(O abade, cegodefúria, ziguezagueia em busca de outra arma. Colhe um grandesantodemadeira e corre de volta contra Garcin. Levanta com esforço o maciço São Tomás de Aquino.)
Tomás de Aquino: Morituri te salutant.
Garcin: Aquino não poderia mesmo ser oco...
(O abade quebra o santo na cabeça de Garcin, que cai desacordado, com um galo emrápidocrescimento e um ou dois pequenos sangramentos no rosto, causados pelos cacos de garrafa.)
A cabeça de Aquino (rolando pelo pavimento): Meu teste aristotélico cumpriu-se perfeitamente!
[...]
Garcin (falando de olhos fechados): Um primeiro galo, um segundo, um terceiro ferimento – foi-me bom o rendimento!
O abade (gaguejando): E-está fa-falando? Francês? (apavorado.)
[...]
(O abade arrasta o francês até o altar: esconde-o sob a mesa, onde é oculto por longa toalha branca.)
Weinstein (batendo à porta): Senhor abade!
O taverneiro (idem): Eminência!
As batidas: Tchan-tchan-tchan-tchaaaaaaaan!
O abade (reagindo às batidas): A quinta!
Garcin: Aos quintos! Que interpretação horrorosa! Não conhece Furtwängler?
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